quarta-feira, 1 de julho de 2009

Matéria - Jornalista Paraná

Uma música caipira ecológica

Disco de Luiz Salgado, mineiro de Uberlândia, apresenta uma 'sina de
cantadô'

Por Ismael de Freitas (jornalista)

O sertanejo, por questão de sobrevivência, é um predestinado a conhecer as nuanças da natureza, seus tempos, estações, manhas e surpresas. Trata-se de um sujeito que reconhece as mudanças e as sente na própria pele, digamos assim, porque acompanha os ritmos dos bichos, das plantas, das águas. Não é a toa que sua arte esteja impregnada desse tema, em alguns momentos exaltando, noutros defendendo, ora alertando, por vezes reclamando.

É, ainda, o mesmo ator que usa os símbolos evocados pelos animais para falar
sobre si mesmo e aos outros, comunicar (algumas) verdades, interferir no cotidiano e valorizar suas práticas ou tentar modificá-las. Para isso, o 'sertanejo', também se serve de parábolas tradicionais, que falam ‘à alma’ de seus iguais, numa linguagem que se aproxima do cotidiano, sem se importar muito com regras gramaticais ou ortografia, o que resulta na completa identificação com seu público e também suscita a nostalgia do homem urbano, descendente da roça, do campo.
Não é de hoje que os problemas causados pela degradação ambiental estão
presentes nas falas, dizeres, poemas, parábolas, histórias e principalmente nas canções sertanejas, mas o tema se mostra com força em trabalhos de “caipiras contemporâneos”, como é o caso de Luiz Salgado, especialmente na música “Carcará, guardião do Cerrado”, do disco “Sina de Cantadô”, lançado em 2008.
O Carcará, ave presente em praticamente todo o sertão do País, já foi retratado
como malvado, valentão, corajoso e cruel por conta de suas preferências alimentares (que incluem filhotes de ovelhas) como na canção “Carcará”, de João do Vale (1933 - 1996): O sertão não tem mais roça queimada / Carcará mesmo assim num passa fome / Os burrego que nasce na baixada / Carcará / Pega, mata e come.
Já na música de Luiz Salgado, a ave aparece como protetora do cerrado, um
imperador que chora ao ver seu “império” destruído pelo “bicho home”. Também é contrastado com o tamanduá que corre na mata em chamas e que é instado a proteger seus filhotes. Os arquétipos sublimam características facilmente aplicáveis aos seres humanos, numa mensagem clara em favor da preservação e em um momento, pelo menos, remete logo às emoções humanas, já que Carcará não chora. O mesmo apelo aparece em trabalhos de outros artistas, como Renato Teixeira, em “Guardiões das Florestas”: Onde homem e natureza / Se juntam na decisão / De sempre honrar nossa gente / E respeitar nosso chão.
Em Luiz Salgado, o Carcará tem como sina voar. Por isso é o guardião do cerrado.
Ele “vive lá no ar”, está no alto, é forte e deve ser um modelo para o tamanduá, que está preso à terra, tem que cuidar dos filhotes e, portanto, está mais vulnerável à ação do homem.
A ave pode ser Deus, pois vigia, é dona da verdade, toma conta do que é seu (o cerrado, seu império). Deus também aparece, mas quase como um coadjuvante, pois é responsável pela sorte do tamanduá. No entanto, parece que a intenção do artista é guardar as características do Carcará como uma missão para o interlocutor, que agora é responsável pela preservação do cerrado, já que é apontado como malfeitor, pois sua espécie, “o bicho home”, é que representa o perigo.
O tamanduá é referência ao que deve ser protegido. Ele tem que correr, senão “a extinção (te) alcança”; os filhotes podem representar o futuro, mas ele vai ter que ser forte como o Carcará para não morrer nem deixar perecer a prole. Qualquer semelhança com o discurso ecológico atual não pode ser mera coincidência.
É comum o folclore utilizar as figuras da natureza e esses símbolos têm um poder comunicacional sintético que fala de vários modos brincando com os sentidos, em parábolas, se escondendo para poder ser percebido mais nitidamente. O ‘cantadô’ tenta colocar suas idéias usando um artifício... falando de figuras folclóricas como o ‘carcará’ e toda sua carga simbólica para alertar sobre o perigo que ‘o bicho home’ representa, através de outro veículo do folclore, a música caipira, com sons do campo e linguagem que privilegia os termos da roça. É o 'líder de opinião' que se mistura, se identifica com
seu público, é parte do processo, não está fora dele, fala entre iguais, sente as mesmas coisas, chora, protege, luta contra a extinção, está no alto e também corre para salvar os filhotes.
Ele também está mais integrado com o mundo, consegue transformar em poesia a vivência de seu povo, conhece melhor o que está ‘fora’ de sua aldeia e sintetiza os temas ‘de massa’, decodificando-os com a intenção de mostrar a quem é atingido pela sua mensagem que existem saberes complexos dominados por seu grupo e legitimando tais conhecimentos. Ou seja, existe voz possível no grupo marginalizado pelos processos comunicacionais de massa e há como alcançar objetivos, digamos, globais, a partir do que é local, agindo pontualmente.
Ouvir a “Sina de cantadoô, do mineiro Luiz Salgado, é um convite à reflexão sobre as ações humanas diante do meio ambiente no Brasil do Século XXI.
O CD foi lançado pela Bequadro Produções, com apoio do Programa Municipal de Cultura, da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Uberlândia (MG).

Disco: “Sina de cantadô”. Música, letra e interpretação: Luiz Salgado. Ano: 2008.

7 comentários:

  1. Luiz, o texto retrata fielmente o seu trabalho e de tantos outros violeiros preocupados em retratar a devastação causada pelo homem. A natureza clama por por ações que a protejam e por pessoas, como você, dispostas a mostrar com a arte a importância da preservação da mata, dos rios e dos animais.Parabéns por seu trabalho! Parabenizo também o jornalista Ismael de Freitas pelo belíssimo texto! Um abraço!

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  2. RESPOSTA PARA ANGELINA: Angelina. obrigado por suas palavras. Obrigado também pelo belíssimo presente que você me enviou. Um carcará e um tamanduá bandeira, desenhados de forma magistral.
    Grande abraço a você e toda sua turma que fez o trabalho sobre o Cerrado.
    Inté.
    Luiz Salgado.

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  3. É isso companheiro: o eco de suas mensagens!!
    Grande abraço e sucesso sempre!

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  4. RESPOSTA PARA PEDRO ANTÔNIO:
    Querido parceiro e irmão... desejo procê tudo de bom também. Vamos ver se nos encontramos em breve.
    Abraços.
    Inté.
    Luiz.

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  5. beleza luisim!
    ce é merecedor de admiraçoes, por todo lado onde
    ecoa seu canto firme e verdadeiro.
    vai em frente.

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  6. ops. saiu errado o portador, embora ela tb compartilhe a opinião, é o galba quem falou.
    coisas de internetico sem muita instrução.kkkkkk

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  7. RESPOSTA PARA HELOÍSA E GALBA:
    Meus queridos amigos... q bom receber vcs aqui... vcs sabem o tamanho de minha amizade por vcs. Espero nos encontrarmos em breve. Galba, meu querido irmão... sua musicalidade é inspiração para a minha.
    Abraços.
    Inté.
    Luiz.

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